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Aos 100 anos, aposentado come fritura e não acompanha política

Centenário conta vida difícil em fazenda de Júlio Müller e como se mantém sem problema de saúde

02/03/2020 | 10:50

Mídia News

Aos 100 anos, aposentado come fritura e não acompanha política

Vergínio Pifânio da Silva ostenta bem estar e alegria aos 100 anos

Foto: Victor Ostetti/MidiaNews

Esbanjando vitalidade, o aposentado Vergínio Pifânio da Silva comemorou 100 anos de vida no dia 21 de fevereiro. Apenas com problemas auditivos e visão um pouco comprometida, o centenário não tem nenhuma doença associada à idade avançada. Mas qual o segredo para chegar tão longe e tão bem?

"Não tomo nenhum remédio e estou muito bem", se orgulha. 

Sem problemas de coração, pressão alta ou diabetes, por exemplo, Vergínio revela que não se priva de nenhum desejo alimentar.

Seu prato preferido vai contra tudo o que os médicos recomendam para a terceira idade: banana verde frita.

“Eu gosto de fritura. Eu como de tudo. Eu gosto muito de banana. Esses dias sonhei com banana”, conta com um grande sorriso no rosto.

O aposentado levanta cedo, logo às 5h30, e o café da manhã é reforçado com guaraná ralado assim que levanta da cama e farofinha com arroz.

Outro dia mesmo ele pediu para que uma de suas filhas fizesse cabeça de pacu, pois tinha sonhado que comia o prato típico da culinária cuiabana.

“Esses dias eu falei que queria comer cabeça de pacu, ela comprou e fez no almoço. Comi bem. Às vezes, eu fico com vontade de tomar um caldo de cana, Nadir [uma das filhas] compra para mim”, relata o aposentado.

Segundo ele, outro truque para manter a mente tranquila é não acompanhar os noticiários políticos. Sem nunca ter aprendido a ler e escrever, Vergínio prefere manter-se longe da política.

“Sou analfabeto, não sei nada de política. Mas gosto muito de assistir televisão. Assisto muito ao programa do padre”, explica.

No entanto, em sua juventude, ele abusou do álcool e cigarro. Porém, ao perceber os danos que poderia trazer, decidiu parar. Ao contrário do que muitos dependentes enfrentam, o aposentado afirma que foi uma luta bem fácil a se travar.

“Bebia e fumava, mas parei com a pinga e o cigarro. Andava com um pedaço de fumo no bolso. Larguei aquilo, não sei como. Mas já faz muito tempo. Achei que seria muito difícil, mas não foi”, declara o centenário.

Juventude roubada

Nem sempre Vergínio pôde escolher o que iria comer no dia ou teve uma vida tranquila e sem preocupações. Ele cresceu na grande Fazenda Abolição, que pertenceu ao político mato-grossense Júlio Müller, localizada na Serra de São Vicente, onde morava com sua mãe solteira.

Na década de 30, logo quando completou 10 anos, precisou deixar de lado a inocência e assumir a responsabilidade de trazer dinheiro para casa, na tentativa de tornar a vida da família menos miserável.

“Quando eu aprendi a trabalhar com gado e montar em um cavalo, era eu que fazia tudo. Ele [Júlio Müller] era um fazendeiro forte, tinha muito gado”, relembra o centenário.

Quando os compradores negociam o gado com o fazendeiro, era Vergínio que era chamado para conduzir a boiada até o destino de entrega. O idoso conta que pedia ajuda de um colega e chegava a passar dias na estrada com os animais.

Ele revela que foi a pior época de sua vida. Segundo o aposentado, Júlio Müller era um mau pagador.

“Mas não foi muito bom, o patrão não era bom. Ele pagava muito mal e aqueles serviços mais pesados de campo jogava para mim. Ele não me agredia, mas não era bom. Ele era muito carrasco. Foi muito difícil, sofrido. Eu sofri nessa fazenda”, expõe.

Ele não conseguia sustentar seus 12 filhos e a esposa com o pequeno salário que recebia. Por isso, os filhos mais velhos também começaram a trabalhar muito cedo, aos nove anos, para colocar comida na mesa.

A filha mais velha, Julieta Oliveira da Silva, hoje com 76 anos, tem memórias ainda mais sombrias sobre o tempo em que moraram na Fazenda Abolição.

De acordo com ela, sua família e diversas outras que habitam a propriedade rural viviam em regime semi-escravo e sem direito à terra. Às vezes, faltava comida na casa, que era comprada do próprio fazendeiro todos os sábados.

“Nós nunca tivemos uma vida boa na fazenda. Não era de apanhar, mas era uma escravidão. Trabalhava quase de graça. Tudo tinha que trabalhar, ficar ali sempre, ninguém tinha liberdade de nada”, relata a filha.

Julieta afirma que algumas famílias possuíam a escritura de uma parte da terra que compreendia a fazenda do político. Porém, por conta da ingenuidade e sem acesso à educação, entregaram os documentos para Júlio Müller, que usava tudo em seu poder.

“Não era do Júlio Muller, mas ele tomava conta de tudo. Dele mesmo não tinha quase nada, era bem pequeno. A pessoa tinha a escritura da terra e dava tudo para ele os documentos para ele guardar, porque diziam que não tinha cartório. Tinha, mas ninguém sabia. Então, ele foi ficando com as terras tudo para ele. Inclusive, a mãe do meu pai tinha terra lá, mas ficou sendo a escrava deles”.

Apesar da vida difícil, foi nessa fazenda onde Vergínio conheceu sua esposa, casou e teve 12 filhos, sendo três homens.

Vinda para Cuiabá

Após um incêndio em sua casa na propriedade rural, Vergínio ganhou um terreno com uma casa de palha no Bairro Jardim Guanabara, como indenização de um dos filhos de Júlio Müller.

O centenário conta que se deparou com um “barraco caindo aos pedaços”. Ele e suas filhas, então, começaram a juntar materiais e construíram uma singela casa de madeira, com três cômodos, sendo uma sala/quarto coletivo, um banheiro e uma cozinha. Esta configuração permanece até hoje.

Na época, segundo o idoso, a Capital ainda era tímida e poucas ruas possuíam asfalto. Somente alguns anos depois começaram a surguir os grandes prédios e a cidade pôde crescer.

Pouco depois de se mudarem, Vergínio e a esposa se divorciaram, mas continuaram vivendo sob o mesmo teto. Em 1994, com 72 anos, sua ex-mulher morreu de problemas cardíacos.

Mesmo separados, o aposentado sentiu muito a morta da companheira. De acordo com ele, até hoje chora pela morte da mulher. Ele também perdeu os três filhos homens em acidentes de carro.

“Eu choro por causa deles, choro por causa da minha mulher até hoje. É difícil. Eu tenho uma filha que estava aqui hoje, quando ela saiu eu chorei”, expõe o idoso.

Contudo, os momentos de luto são preenchidos pela alegria das filhas que se revezam semanalmente para visitá-lo.

Hoje, ele mora na mesma casa de madeira com uma das filhas, Nadir, que cuida e acolhe.

Depois de viver um século, o idoso tem o espírito tranquilo e afirma não ter medo de morrer. Mas dá créditos às suas filhas por ele ter conseguido alcançar os 100 anos.

“Minhas filhas tem cuidado de mim, se eu não tivesse elas, já teria morrido”, completa.

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