Imprimir

Imprimir Notícia

13/11/2019 | 08:37

Mulher revoluciona e transforma fazenda do Araguaia em referência mundial de bem-estar

Ela tinha 22 anos quando saiu do estado de São Paulo para assumir a gestão de uma fazenda de pecuária de corte em Barra do Garças, no Vale do Araguaia mato-grossense, e com sua dedicação e gestão exemplares, transformou a Agropecuária Orvalho das Flores em referência mundial para bem-estar dos animais. Nesta segunda, 04, a pecuarista, mãe e, mais recentemente, escritora Carmen Perez contou sua trajetória em entrevista concedida ao Giro do Boi.
 
Perez confirmou que as raízes de sua família já tinham conexão forte com o agro. No interior paulista, possuía propriedade voltada ao setor sucroalcooleiro em Pontal, município próximo a Ribeirão Preto-SP. Como forma de diversificar os investimentos, algumas propriedades no Mato Grosso foram adquiridas.
 
Mesmo sem vocação para a pecuária, quando chegou o momento da sucessão, a jovem Carmen topou o desafio de gerir a Agropecuária Orvalho das Flores. “Na verdade, eu sempre fui para lá, eu convivi com esta realidade não a trabalho, sempre foi a lazer, então é muito diferente quando você vai assumir e enxergar com um negócio. E eu sempre fui muito apaixonada por bicho, pela terra, mas com certeza eu tive muitos desafios quando eu cheguei”, relembrou.
 
Mais do que resistência da equipe da fazenda, Carmen comentou que o principal receio era de sua família, sobretudo sua mãe, que demonstrava preocupação com o processo de adaptação da filha ao novo desafio. “Não é um trabalho do dia para a noite. Nós estamos com estas introduções de boas práticas há muitos anos, já tem mais de 12 anos que nós iniciamos. É um trabalho lento, constante, contínuo e é uma conscientização mesmo, uma mudança de cultura, uma mudança de mentalidade, uma quebra de paradigmas. A equipe os poucos vão absorvendo esta nova forma. […] Quando existe esse respeito e essa consciência é muito mais fácil de eles começarem a enxergar isso, de eles se conectarem com isso”, relatou.
 
Entre as inovações implementadas pela gestão de Carmen Perez na Agropecuário Orvalho das Flores, estão mudanças no manejo, como oferecer a possibilidade de o gado passar pelo brete aberto para se familiarizar com a estrutura antes de iniciar os trabalhos; adoção das bandeiras para guiar os animais sem gritaria; a oferta de uma “recompensa” para o lote após o manejo, separando um pasto de qualidade para o gado descansar depois dos procedimentos ou, na época da seca, um cocho com proteinado. “São simples ações, mas extremamente importantes porque ficam gravadas na memória dos animais para que nos manejos subsequentes eles entrem com mais tranquilidade”, reforçou a produtora. Perez citou a pesquisadora Temple Grandin, referência mundial em estudos sobre comportamento dos animais de produção, que afirma que o gado que entra agitado no curral leva cerca de 30 minutos para se acalmar, dificultando o trabalho dos peões, daí a importância tranquilizá-los antes de iniciar as sessões.
 
A fazenda, dedicada à pecuária de cria, também tem técnicas especiais voltadas para a desmama. Na propriedade, bezerros e matrizes passam pela chamada “desmama lado a lado”, em que no momento da separação ficam em piquetes vizinhos, separados por um corredor ou uma cerca somente. “Quando eu conheci essa técnica através do professor Mateus Paranhos, a primeira vez que eu fiz eu fiquei muito impressionada porque os bezerros antes vocalizavam durante dez dias, mas (com a desmama lado a lado) no segundo dia a gente já não escutava mais. Eles continuam tendo contato visual e muitos já começam a pastejar no mesmo dia. A única coisa que é muito importante é ter um bebedor de água perto […] porque eles têm que manter contato visual. […] E é muito interessante porque os bezerros ganham peso. Quando você faz a desmama convencional, o bezerro perde peso. Bezerro estressado não come. E na desmama lado a lado eles ganham peso”, detalhou.
 
Na época da parição, os peões estimulam os recém-nascidos com a massagem neonatal, reforçando a conexão com os animais, que mostram diferença de docilidade quando adultos. “É impressionante como o gado foi amansando ao longo do tempo”, frisou Perez.
 
Na Orvalho das Flores, a marcação a fogo nos animais foi abolida e somente a marca da brucelose foi mantida por conta da obrigatoriedade pelo Mapa. Mas a identificação dos animais agora é feita por brincos eletrônicos, que apontam o mês de nascimento com cores diferentes para facilitar a apartação visual em meio ao pasto e contêm mais informações digitais que podem ser acessadas no curral, com o bastão que faz a leitura dos dados. “Não só a marcação de fogo a gente tirou. A gente deu também um pulo na gestão porque antes ficava aquela gritaria no curral: ‘Vaca 2030’”, exemplificou. “Agora é tudo tão simples. Bastão eletrônico passa no brinco eletrônico, não tem grito, não tem erro”, complementou.
 
Por todo este trabalho, a propriedade virou referência mundial em bem-estar dos animais. No ano passado, a fazenda recebeu a visita de Temple Grandin para mostrar as técnicas de manejo racional, impressionando a pesquisadora. Já neste ano, Carmen Perez foi convidada a contribuir com a publicação “O Bem-Estar Animal no Brasil e na Alemanha: Responsabilidade e Sensibilidade”, lançado em simpósio recentemente durante o 1º Simpósio Brasil-Alemanha de Bem-Estar Animal, realizado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha.
 
Acho que esta mensagem, estes treinamentos, eles não são isolados. É muita constância, é um trabalho como qualquer outro: árduo, ele tem que ser feito sempre e eu falo também que as boas práticas têm que estar presentes em todos os momentos, não é um manejo isolado, não é só um momento das práticas do curral, dos manejos de dentro do curral, que é um momento de muita pressão, então sem dúvida tem que ser olhado diferente, mas ele começa no nascimento. Ele tem que estar presente em todos os manejos, não pode perder uma oportunidade de manejo para deixar uma mensagem positiva com os animais, seja com vaca, com boi, com qualquer lote porque aquilo fica gravado na memória dos animais”, concluiu a pecuarista.
 
 Imprimir