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Delegada: “Não é fácil tirar de circulação imagem íntima que caiu no WhatsApp”

A delegada Mariell Antonini alerta sobre os riscos de mandar fotos íntimas e violência contra mulher

28/11/2022 | 09:40

Mídia News

Delegada: “Não é fácil tirar de circulação imagem íntima que caiu no WhatsApp”

A delegada Mariell Antonini, da Delegacia da Mulher de Várzea Grande

Foto: Reprodução

Em meio a hegemonia da tecnologia, foi normalizado o compartilhamento de fotos e vídeos íntimos entre casais, porém o que não se fala é como o que começa como um jogo de sedução pode terminar de forma trágica. Segundo a delegada Mariell Antonini, titular da Delegacia da Mulher de Várzea Grande, muitas mulheres são vítimas de homens que divulgam esses conteúdos após o término do relacionamento. 

O ato de expor pessoas em imagens íntimas tornou-se crime apenas em 2018 e a pena pode chegar a 5 anos de prisão. Em entrevista ao MidiaNews, a delegada traz a tona os riscos de mandar nudes e recomenda que as mulheres evitem esta prática. 

"Muitas vezes, com o rompimento da relação, a outra parte que está magoada ou quer realmente ofender a mulher e passa a divulgar essas imagens em grupo de WhatsApp, de Instagram, Facebook e isso causa prejuízo à imagem de quem foi divulgado", explica. 

"Recomendo não fazer, porque é uma investigação que tem um tramite mais demorado, pois tem essa questão informática envolvida. Então, não é tão fácil tirar de circulação uma imagem íntima que já caiu em vários grupos de WhatsApp", completou. 

Ainda tratando das redes sociais, a delegada deu dicas sobre como mulheres podem se proteger em encontros marcados por aplicativo e alertou sobre os perigos dessas ferramentas online. 

"Quando você conhece alguém pela internet pode ser que dê certo, pode ser que tudo seja maravilhoso e que a pessoa do outro lado seja uma pessoa bacana. Porém, não podemos esquecer que a pessoa do outro lado pode ser ruim, querer explorar quem está ali ou querer subtrair dinheiro", explicou. 

Ao longo da entrevista, Antonini também falou sobre feminicídio, as falhas nos cumprimendos de medidas protetivas, permanência no ciclo de violência doméstica e como as mulheres podem pedir ajuda. 

Confira os principais trechos da entrevista:  

MidiaNews - Estamos no período em que ocorre o movimento "21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher". Como as Delegacias da Mulher estão atuando neste período? 

Mariell Antonini - Os 21 dias de Ativismo surgiram na década de 90 e é um movimento internacional. No Brasil, começa dia 20 de novembro, justamente por ser o dia da Consciência Negra, porque verifica-se que muitas mulheres negras sofrem violência doméstica. 

Desde o ano passado foi criado um grupo chamado Conecta. É um grupo de homens, mulheres, instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que atuam em parceria fazendo movimento de conscientização junto a sociedade. 

Então, desde o dia 20, estamos com atividades sendo desenvolvidas. Na Delegacia da Mulher de Várzea Grande, tivemos uma roda de conversa com estudantes de psicologia, porque o nosso objetivo era demonstrar os malefícios que a violência doméstica causa na vida de uma mulher, das crianças, da família. 

Também o perigo da evolução de uma violência doméstica, que pode culminar com a morte e chamar a atenção desses estudantes, que daqui um tempo serão profissionais, para a importância de acolher essa mulher, conscientizar, fazê-la entender o ciclo da violência, mostrar a importância de romper esse ciclo.  

MidiaNews - Com o surgimento da internet, novos crimes surgiram e vieram para ficar. Um deles é a divulgação de imagens pornográficas de ex-namoradas. Como a mulher deve agir para evitar esse tipo exposição? 

Mariell Antonini - Houve a criação do Artigo 218 C do Código Penal, instituído a partir de 2018, então é um crime novo. Por isso, quando observamos estatística, é natural que haverá um crescimento contínuo por determinado período de tempo até observarmos uma estabilização. 

A partir da tipificação de um crime, as autoridades policiais começam a atuar de acordo com esse novo crime que surgiu. Até 2018 não existia, começamos a aplicar em 2019. 

A pena de oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender, divulgar de qualquer forma uma cena de conteúdo que tenha estupro ou qualquer cena sexual, de nudez ou pornografia de uma vítima é de 1 a 5 anos. E se for praticado por meio de vingança tem um acréscimo, uma causa de aumento de 1/3. 

Temos aplicado bastante esse crime, porque com o uso exacerbado da tecnologia essa troca de imagens com conteúdo sexual tem se tornado corriqueira, o que é um erro. Muitas vezes, com o rompimento da relação, a outra parte que está magoada ou quer realmente ofender a mulher passa a divulgar essas imagens em grupo de WhatsApp, de Instagram, Facebook e isso causa prejuízo a imagem de quem foi divulgado. 

É importante que as pessoas não divulguem suas imagens íntimas para ninguém, por mais que confiem, que tenham anos de relacionamento. Conteúdo íntimo não deve ser divulgado, muito menos pelo telefone. 

MidiaNews - Muitas pessoas normalizam o compartilhamento de nudes. O que a Polícia diz desse tipo de comportamento? 

Mariell Antonini - Recomendo não fazer, porque é uma investigação que tem um tramite mais demorado, pois tem essa questão informática envolvida. Então, não é tão fácil tirar de circulação uma imagem íntima que já caiu em vários grupos de WhatsApp. 

Muitas pessoas também estão hoje envolvidas nesses sites de namoro, porque com a pandemia vivemos uma restrição de contato, muitas pessoas ficaram dentro de casa e muitos são solteiras e começaram a buscar um relacionamento pela internet. Quando você conhece alguém pela internet pode ser que dê certo, pode ser que tudo seja maravilhoso e que a pessoa do outro lado seja uma pessoa bacana. 

Porém, não podemos esquecer que a pessoa do outro lado pode ser ruim, querer explorar quem está ali ou querer subtrair dinheiro. Por isso tem que ter muito cuidado e não encaminhar conteúdo sexual, privado, para pessoas que você acabou de conhecer. 

MidiaNews - Que outras orientações daria às mulheres que utilizam esses aplicativos para relacionamento? 

Mariell Antonini - Que jamais leve de imediato para sua casa. É seu ambiente íntimo, que não deve ser violado por quem você acabou de encontrar, porque existem muitas pessoas que se utilizam da internet como uma facilidade para conhecer alguém que está carente. Então, você sai para jantar e depois quer levar essa pessoa para casa, isso não é indicado, porque se essa pessoa for um stalker, um perseguidor, que depois vai ficar seguindo a vítima e sabe onde encontrá-la, porque já tem a informação da residência.

O correto é sempre que está conhecendo alguém, seja por uma indicação de um familiar ou conhecido, marque esse encontro em um local público, onde tenha condições de pedir ajuda, avise alguém do seu convívio onde você estará e com quem. Nunca vá com essa pessoa de carro, porque você tem condições de voltar. E jamais leve essa pessoa para sua casa. 

Outra coisa é o cuidado com o copo, muitas pessoas afastam o copo do corpo ou saem da mesa e deixam a bebida e quando voltam não sabe o que tem ali dentro. É importante ter esse cuidado, principalmente se a pessoa estiver saindo sozinha, porque o risco é muito maior. 

Esses cuidados, hoje, todo mundo deve ter, porque ninguém tem bola de cristal para saber qual a intenção da outra pessoa que está conhecendo.   

MidiaNews - Em que condições psicológicas ficam mulheres quando são vítimas deste tipo de crime? 

Mariell Antonini - A vítima que tem a divulgação de imagem com conteúdo sexual se sente humilhada, diminuída. É uma ofensa muito grande, porque uma parte do nosso corpo, que tem que ser íntima, privada, de repente todos da sociedade, da comunidade que a vítima tem contato, passa a ter conhecimento. 

Isso é muito humilhante. Sempre que dou palestra, levo as matérias de jornal que relatam histórias das vítimas que cometeram suicídio após terem divulgados os conteúdos íntimos de seus vidas privadas. Também falo para os jovens tomarem cuidado com isso, porque quem compartilha pela primeira vez está cometendo um crime, mas quem replica essa informação comete também. 

Então, se recebo uma imagem com conteúdo sexual, qual o meu dever? Apagar e não passar para frente, porque se eu passar para frente também serei passível de responder pelo crime. Por isso temos que ter sempre em mente o dano que posso causar com uma conduta imatura, de vingança. 

MidiaNews - Em geral, qual o perfil dos homens que divulgam estas imagens? 

Mariell Antonini - A maioria das vezes é por vingança diante de alguma rejeição. A mulher terminou o relacionamento, não deseja mais dar continuidade àquela relação e o ex-parceiro, como forma de vingança, divulga esse conteúdo para humilhar a mulher. 

MidiaNews - Considerando que a divulgação de nudes, especialmente de menores de idade, pode deixar marcas profundas por muito tempo, não seria o caso de se aumentar a pena para este crime? 

Mariell Antonini - Se forem ex-namorado e ex-namorada menores, passou nudes vai entrar nesse crime 218 C com a lei Maria da Penha. Outra situação é compartilhar cena de conteúdo sexual que configure pedofilia, por exemplo, uma imagem de uma criança de 3 anos com teor sexualizado, fazendo sexo. Então, tem essa diferença. 

O Artigo 218 C é para esses casos que há divulgação de conteúdo sexual. Agora se for essa outra situação, já vai ser um crime do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em que a pena é maior, que o crime que fala sobre oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, por qualquer meio, inclusive por informática, fotografia, vídeo com conteúdo pornográfico envolvendo criança ou adolescente. 

Em caso de montagem, também é crime. Não aconteceu, mas uma pessoa faz montagem em um vídeo ou foto sexual contendo uma criança. Não pode, porque isso incita a pessoa que tem um desejo a ficar assistindo. 

MidiaNews - Recentemente aconteceu em Mato Grosso o caso de um homem que matou a esposa apenas porque ela não lhe passou a senha do celular por talvez desconfiar de algum amante. É comum casos de violência por esta razão? 

Mariell Antonini - O homem sempre quer justificar o comportamento machista, é muito comum. Eu tenho um caso, aqui em Várzea Grande, de tentativa de feminicídio em que o homem deu um golpe de marreta na cabeça da ex-mulher enquanto ela estava dormindo, mas o interessante é que existe a construção de uma imagem ruim dessa vítima perante a família. 

Ele justifica dizendo que ama demais, mas que provavelmente ela tinha um amante. No entanto, sempre deixo bem claro, inclusive para o investigado, que isso não é motivo. Se o relacionamento não está bom ou se houve um relacionamento extraconjugal, o certo é separar. Hoje, o divórcio é direito protestativo.

Não cometa um crime contra ela, porque você vai deixar seus filhos órfãos de mãe e o pai ou vai ficar foragido ou será preso ou vai cometer suicídio, porque essa é a estatística que temos na Polícia Civil. Ano passado tivemos 72 órfãos de feminicídio, são pessoas que perderam a mãe porque foram assassinadas pelo parceiro.  

MidiaNews - A impressão que temos é que os casos de violência contra a mulher estão aumentando. A que atribui isso? 

Mariell Antonini - Tivemos esse aumento, sim, durante a pandemia. No ano de 2020, tivemos um boom de feminicídios, foi o período que tivemos mais crimes de violência doméstica. Enquanto observamos que os índices da maioria dos crimes caíram, como por exemplo, roubo, furto... Tudo caiu, mas em relação da violência doméstica expandiu. As pessoas ficaram dentro de casa, muita dificuldade econômica, filhos fora da escola, então são situações que potencializam para quem já vive na situação de violência doméstica.  

Mas hoje não. Em 2022 tivemos um decréscimo de 8%, enquanto nesse período de janeiro a outubro de 2021 tivemos 39 feminicídios e esse ano no mesmo período tivemos 36. Então, é uma queda de 8%. 

É interessante, porque teve uma pesquisa aplicada no Brasil que demonstrou que 99% da população afirma conhecer a Lei Maria da Penha, ou seja, as pessoas são conscientes de que existe uma lei protetiva para mulheres.  

Por outro lado, ainda vivemos em uma cultura machista na sociedade. Então, enquanto isso não mudar é difícil diminuir o índice de violência doméstica. 

MidiaNews - Conhecemos muitos casos de mulheres que, mesmo com medidas protetivas, são vítimas de violência por parte de companheiros e ex-companheiros. Por que o Estado não consegue dar uma verdadeira proteção a estas mulheres ameaçadas? 

Mariell Antonini - A medida protetiva é o primeiro passo. Então, se uma mulher se informa como vítima de violência doméstica e deseja uma medida protetiva, ela será solicitada e o Judiciário vai deferir. Uma vez deferido, o autor é notificado e toma ciência que tem uma série de restrições que deve cumprir. 

Porém, muitas vezes esse autor está obsessivo, realmente descontrolado. Por isso, é importante que aquela mulher retorne à delegacia e informe que a medida não funcionou, que ele voltou a procurá-la, voltou a ameaçar, agredir, porque só diante do conhecimento dessa informação que conseguimos tomar providências. E essa providência pode ser solicitação de fortalecimento de medidas cautelares ou prisão. 

MidiaNews - Como a mulher pode solicitar o botão do pânico? 

Mariell Antonini - Hoje, o aplicativo SOS Mulher, que é conhecido como botão do pânico, está disponível para quatro cidades: Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis e Cáceres, que é onde temos o CIOSP. 

A partir do momento que uma mulher chega na delegacia e deseja que tenha um monitoramento eletrônico e que ela possa acionar a segurança pública de forma mais simples, mais célere, fazemos a solicitação e o Judiciário defere. Então, neste momento já instalamos o aplicativo no celular dela e ela já sai da delegacia com uma proteção. Quando o autor descumpre a medida e se aproxima da vítima, ela tem a facilidade de apertar um único botão e a viatura mais próxima será designada para atendê-la. 

É muito importante, porque o CIOSP tem condições de ouvir o som ambiente do local que ela está. Então, se essa mulher está gritando, se escondendo ou se o agressor está tentando invadir, as forças de segurança pública têm condições de ouvir, entender o que está acontecendo no local e mandar imediatamente uma viatura. 

MidiaNews - E a medida protetiva? Ela pode ser obtida sem a necessidade de uma decisão judicial? 

Mariell Antonini - Não, depende de uma decisão judicial. Ela pode comparecer à delegacia e solicitar essa medida ou pode fazer de forma online, mas é uma medida cautelar, tem que passar pela análise judicial.

Se for uma cidade que não existe comarca, cidade pequena, nesse caso, excepcionalmente, o delegado pode deferir a medida, mas uma vez deferida, ele tem que submeter a decisão dele sob análise do Judiciário, que vai convalidar ou não a decisão da medida. 

MidiaNews - Uma das razões para muitas mulheres continuarem relações abusivas é a dependência financeira. Como deve agir uma mulher nestas condições, que é vitima de violência, mas desamparada financeiramente? 

Mariell Antonini - Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, ainda educamos nossos meninos e meninas de forma incorreta e isso é muito comum nas famílias. Por que eu falo isso? A forma de educarmos meninos e meninas precisa mudar, hoje ainda criamos meninas para que elas sejam amáveis, dóceis, gentis, para saber cuidar da casa, dos filhos, para ter uma vida privada, íntima. 

Na nossa cultura, damos de presentes bonecas, para aprender a cuidar de bebê, fogãozinho, panela, tudo para ela aprender a cuidar da casa. E os meninos, por outro lado, educamos para vida pública, mercado de trabalho, independência econômica. É diferente. 

Com isso, vai gerando a diferença de gênero, um conceito cultural do que a sociedade espera do papel feminino e o que ela espera do papel masculino. Isso dentro de uma relação em que uma mulher não trabalha, ou que ela trabalha, mas tem uma inferioridade econômica em relação ao marido, vai gerando no interior da relação uma hierarquia de posições entre homem em mulher. 

Para um casal em que o homem só sabe resolver as coisas com base na violência, isso se perpetua e fica invisibilizado, porque quando a vítima vai buscar apoio, a família não quer ajudar. Diz “isso vai mudar”, “calma, colabora também”. 

Então, primeiro é preciso fazer essa mulher entender que ela está em um ciclo de violência, que isso não é correto, que ela tem capacidade, condições de enfrentar esse ciclo, de buscar ajuda, que tem uma rede estruturada para apoiá-la e dar esse suporte. 

Realmente não é fácil vencer a violência doméstica para quem tem uma educação de cultura patriarcal, machista. 

A dependência financeira potencializa a permanência na situação de violência, mas verificamos que mulheres que tem independência econômica muitas vezes sofrem violência doméstica e não rompem esse ciclo por dependência afetiva.  

MidiaNews – Os policiais já estão qualificados para atenderem essas vítimas em casos de violência doméstica? Como ocorre este acolhimento na delegacia? 

Mariell Antonini - Hoje, as delegacias da Mulher foram muito estruturadas com passar do tempo. Os policiais sempre passam por qualificação periódica, então realmente existe, nessas unidades especializadas, uma cultura diferente, de acolher essa mulher, conversar, explicar para ela o ciclo da violência. 

Nós preenchemos o formulário nacional de avaliação de risco e por meio desse documento nós temos uma visão panorâmica do que essa mulher está enfrentando, como era a relação, que tipo de violência ela já sofreu. 

Então, temos uma noção clara e conseguimos orientá-la, nós temos psicóloga aqui na delegacia. É muito importante que a mulher crie essa consciência de que hoje o Estado trabalha em rede. Aqui em Várzea Grande temos vários serviços estruturados para encaminhar essa mulher.

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