Domingo, 28 de abril de 2024
informe o texto

Notícias | Cidades

Onça-pintada é flagrada após predar boto em São Félix do Araguaia

Arrastado por 30 metros, mamífero aquático de mais de 200 kg foi abatido na região do Rio Araguaia

16/01/2024 | 07:58

G1

Onça-pintada é flagrada após predar boto em São Félix do Araguaia

Foto: Reprodução

As imagens de uma onça-pintada (Panthera onca) arrastando um boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis) de mais de 200 kg, por cerca de 30 metros, após a predação surpreendeu pesquisadores da Associação Guardiões do Cerrado.

O grupo realiza monitoramentos de diversos animais na região do médio e baixo Rio Araguaia, principalmente no Mato Grosso. Ocorrido no final de outubro, o flagrante foi divulgado nesta semana e preenche lacunas importantes para a comunidade científica no quesito predador versus presa.

“Existem outros registros de carcaças de botos com sinais de predação por onças, e até mesmo vídeos de onças se alimentando de botos em praias. No entanto, havia dúvidas se isso acontecia em situações oportunistas, nas quais as onças se aproveitavam de botos encalhados, debilitados ou mesmo já mortos por outros motivos”, explica Douglas Santos, doutor em Biodiversidade Animal pela Universidade Federal de Goiás, e que faz parte do projeto.

Só que, de acordo com ele, esse novo registro deixou clara a capacidade do maior felino das américas de predar os botos ainda vivos, mesmo quando está acompanhado de um filhote.

“Esse local tem mais de um metro de profundidade e os botos entram ali frequentemente para encurralar os peixes e se alimentarem. Certamente, esse boto não estava encalhado, foi um ataque rápido e certeiro. Eu acredito que a onça provavelmente saltou da praia em cima do boto no momento em que ele emergiu para respirar”, diz.

O Rio Araguaia, com cerca de 2,1 mil km de extensão, é um dos principais corredores ecológicos no Brasil, e ficou conhecido como Corredor da Onça.

Antes da predação, uma câmera de monitoramento já estava instalada em uma árvore na beira de um barranco, em uma trilha que dá acesso ao interior da mata para quem vem da praia. A mata fica na região da confluência do Rio das Mortes com o Rio Araguaia, uma planície de inundação no município de São Félix do Araguaia (MT).

“Essa região é um ponto estratégico, pois está localizada próxima a duas grandes áreas protegidas, o Parque Estadual do Araguaia e a Ilha do Bananal. Estamos em uma força-tarefa em prol da conservação das onças do Cerrado, que é coordenada pelo Instituto Onça Pintada e temos um total de 25 armadilhas fotográficas que, no 2º semestre de 2023, já registraram nove onças adultas e diversos filhotes”, esclarece Douglas.

Em agosto, uma das fêmeas que frequentavam o local foi registrada com um filhote que tinha entre 2 e 3 meses. Assim, essa localidade passou a ser um dos pontos prioritários do monitoramento, sendo checado uma ou duas vezes por semana.

“Mas no dia 20 de outubro, quando desembarcamos na praia e começamos a procurar por pegadas, tivemos uma grande surpresa: as marcas na areia indicavam que uma onça havia arrastado um animal de grande porte. Chegamos a pensar que pudesse ser um jacaré-açu, então começamos a seguir o rastro que saía da água, atravessava a praia e adentrava na mata", relembra o pesquisador.

"Ao subir o barranco e adentrar 30 metros no interior da mata, nos deparamos com um boto-do-araguaia enorme, de 2,5 metros, que havia sido abatido há poucas horas. Como a carcaça estava muito fresca, sabíamos que a onça estaria ali por perto, então, com muita cautela, instalamos uma armadilha fotográfica em frente à carcaça para tentar identificar qual onça teria conseguido aquele feito, pois muito provavelmente o animal voltaria ali para terminar de comer”.

Dito e feito. Enquanto a câmera na trilha forneceu dados sobre a dinâmica da predação, registrando momentos que precederam o abate e como o boto foi arrastado, a outra armadilha fotográfica mostrou uma segunda onça se alimentando do boto posteriormente. As duas fêmeas compartilharam a carcaça em noites alternadas, aparecendo duas noites cada uma.

“Outros dados interessantes observados nas imagens foram sobre o filhote. O primeiro é que, enquanto ela arrastava o boto para a mata, o filhote fica brincando, se agarrando à carcaça abatida pela mãe. Esse é um momento importante para a fase de aprendizagem dele, em que ele vai, aos poucos, testando suas habilidades e aprendendo sobre suas presas naturais”, diz Douglas.

Ele complementa que a câmera em frente à carcaça não registrou o filhote em nenhum momento durante os cinco dias em que ficou instalada. “Como outra onça estava frequentando a carcaça, a mãe pode ter mantido o filhote mais distante, pois o risco de infanticídio com filhotes dessa idade é muito grande”, esclarece.

Para o biólogo especialista em onças-pintadas Eduardo Fragoso, esses registros mostram a capacidade de adaptação da onça-pintada de sobreviver em uma diversidade enorme de ambientes, de zonas áridas à regiões costeiras, de florestas densas à savanas e planícies alagadas.

“É muito impressionante que uma onça consiga caçar tanto um primata no alto de uma árvore gigantesca, quanto um boto em atividade dentro da água”, comenta Eduardo.

O próximo passo do projeto para o 1° semestre de 2024 são as capanhas de captura para colocação de colares com gps em alguns indivíduos de onça-pintada. “Isso vai nos trazer muitas respostas de como elas reagem a essa dinâmica de inundação sazonal, visto que grande parte da área de estudo fica alagada durante o período de chuvas”, finaliza Douglas Santos.

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet